O uniforme branco usado no Judô, Karatê e Jiu-Jitsu não tem ligação direta com as roupas dos samurais. Apesar de muitas pessoas acreditarem que o “kimono de luta” seria uma continuação do vestuário feudal japonês, a realidade é diferente. O gi branco é uma criação moderna, surgida no final do século XIX, projetada especificamente para treino, padronização e educação.
O que os samurais realmente usavam
Durante o período feudal, o samurai utilizava três conjuntos principais de roupas, dependendo do contexto:
- Armadura (yoroi ou dō-maru) – usada em combate real, feita de couro, ferro, bambu e seda.
- Kimono tradicional – com tecidos leves como seda ou linho, geralmente coloridos.
- Hakama – saia-calça que podia ser usada em batalhas ou cerimônias.
Nenhuma dessas peças se assemelha ao kimono de algodão reforçado usado hoje nas artes marciais. O samurai não treinava agarramento usando roupas brancas pesadas; sua prática era ligada às armas, à armadura e aos exercícios internos da escola (ryu-ha) de cada clã.
A criação do kimono branco moderno
O uniforme atual foi desenvolvido por Jigoro Kano, fundador do Judô, entre 1882 e 1900. Kano precisava de um uniforme resistente para suportar quedas, puxões e projeções, e padronizado para fins educacionais, já que o Judô foi pensado também como uma ferramenta de formação escolar.
A solução encontrada foi um traje de algodão grosso, de cor branca, com costuras reforçadas e gola firme. Esse design se espalhou pelo Japão e se tornou o padrão para treinos de agarramento.
Por que branco?
- Símbolo de disciplina, limpeza e neutralidade.
- Mostra sujeira com facilidade, incentivando higiene no dojo.
- Uniformiza alunos de origens sociais diferentes.
- Barato de produzir e fácil de lavar.
Influência no Karatê e em outras artes
Quando o Karatê de Okinawa foi oficialmente introduzido no Japão no início do século XX, mestres como Funakoshi Gichin adotaram uma versão mais leve do uniforme do Judô para adaptar o Karatê ao ambiente escolar japonês. Isso consolidou o gi branco como padrão nacional de treino, mesmo em práticas que originalmente não utilizavam esse formato.
Os samurais nunca usaram o kimono de luta moderno
Apesar da estética lembrar um “kimono”, o gi não faz parte da tradição bélica samurai. Ele é fruto da modernização do Japão no período Meiji e do esforço para transformar as antigas artes marciais em disciplinas organizadas, seguras e pedagógicas.
A roupa de combate dos samurais estava ligada a armaduras e tecidos finos, enquanto o gi é puramente um instrumento de treino esportivo e educacional surgido menos de 150 anos atrás.
Principais referências históricas
- Kano, Jigoro – Kodokan Judo (Kodokan Institute, Tokyo).
- Friday, Karl – Samurai, Warfare and the State in Early Medieval Japan.
- Bishop, Mark – Okinawan Karate.
- Nakasone Genwa – registros da introdução do Karatê no Japão (1930–1938).
- Kodokan Historical Archives – desenvolvimento do keikogi moderno.
Esses materiais confirmam que o gi como conhecemos hoje não é uma herança direta dos samurais, mas uma evolução moderna voltada à prática segura e ao ensino das artes marciais.
Referências
- Kodokan Judo Institute – “History of the Judogi”. Arquivo oficial que documenta a criação do uniforme moderno por Jigoro Kano.
https://kodokanjudoinstitute.org/en/culture/judogi/ - Kyoto National Museum – Acervo oficial sobre vestuário e armaduras samurais, confirmando o uso de seda, hakama e armaduras tradicionais.
https://www.kyohaku.go.jp/eng/ - Karl Friday – “Samurai, Warfare and the State in Early Medieval Japan”. Stanford University Press. Obra acadêmica de referência sobre o equipamento, roupas e práticas de combate dos samurais.
- Stephen Turnbull – “Samurai: The World of the Warrior”. Osprey Publishing. Pesquisa detalhada sobre armaduras, códigos e roupas utilizadas pelos samurais.
- Mark Bishop – “Okinawan Karate: Teachers, Styles and Secret Techniques”. A & C Black. Confirma que o Karatê de Okinawa não utilizava gi até sua adaptação ao sistema educacional japonês.
- Funakoshi Gichin – “Karate-Do: My Way of Life”. Kodansha. Relato direto do processo de introdução do Karatê no Japão e da adoção do uniforme branco.
- Nakasone Genwa – “Karate-Do Taikan” (1938). Registro histórico ilustrado da transição do Karatê tradicional para o Japão moderno.
- Tokyo National Museum – Coleções de artefatos samurais, tecidos e armaduras do período feudal.
https://www.tnm.jp - Japan National Archives – Registros oficiais das reformas educacionais do período Meiji, que transformaram as artes marciais em disciplinas escolares padronizadas.
https://www.digital.archives.go.jp